Augustus Nicodemus Lopes*
Resumo
O ponto central deste
artigo é que o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia vive hoje um
dilema causado pelo amadurecimento dos princípios que adotou por ocasião de seu
nascimento, há cerca de 250 anos, como filho legítimo do Iluminismo e do
racionalismo. Apesar do ufanismo com que o método foi saudado no início e ainda
hoje é defendido por seus adeptos, ele não é, de fato, um método “científico” e
desprovido de preconceitos de ordem ideológica e teológica. Na verdade, ele
surgiu para fazer a separação entre Palavra de Deus e Escritura, proposta por
J. Solomo Semler, uma distinção que é eminentemente teológica e que determinou
o objetivo do método e seu funcionamento. O método histórico-crítico deu origem
a diversas críticas, como a das fontes, da forma e da redação. O dilema em que
o método hoje se encontra é devido a diversos fatores, apontados por estudiosos
alemães como Gerhard Maier, Eta Linneman e Peter Stuhlmacher. O método
histórico-crítico assumiu desde o início pressupostos dogmáticos que refletem
rejeição da autoridade e infalibilidade das Escrituras. Ele também estabeleceu
um alvo que é impossível de ser alcançado, ou seja, separar o cânon normativo
do cânon formal, estabelecendo exegeticamente a distinção entre Palavra de Deus
e Escritura. A verdade é que o cânon bíblico não pode ser dividido entre
normativo e formal. O método histórico-crítico, por sua própria natureza, abriu
uma enorme brecha entre a academia e a Igreja, não somente pela escassez de
resultados e pela evidente desarmonia entre eles, como também por impedir o
acesso da Igreja ao conhecimento das Escrituras. Por fim, o método
histórico-crítico esquece que a razão natural é incapaz de reagir adequadamente
à revelação divina. O artigo termina com a defesa de um método de interpretação
historicamente associado ao método gramático-histórico de interpretação,
adotado, usado e defendido pelos reformadores, que tenha como pressuposto a
inspiração e veracidade das Escrituras e a unidade do cânon formal, e que
procura estar sensível aos estudos modernos de ciências correlatas que podem
trazer algum auxílio à interpretação do texto bíblico.
PALAVRAS-CHAVE
Interpretação
bíblica; Método histórico-crítico; Teologia; Cânon; Revelação; Escritura;
Método gramático-histórico.
INTRODUÇÃO
Meu argumento neste
artigo é que o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia vive hoje
um dilema causado pelo amadurecimento dos princípios que adotou por ocasião de
seu nascimento, há cerca de 250 anos. O dilema é causado pelo impasse entre
reformar-se ou permanecer surdo à evidente falta de resultados acadêmicos
coerentes e de resultados práticos no âmbito eclesiástico. Ao que parece, a
tendência é mais para a segunda alternativa. Pois, apesar de sua idade
avançada e dos diversos atestados de óbito (talvez prematuros) passados por
acadêmicos de várias linhas teológicas,[1] o
método histórico-crítico continua sendo usado nos meios acadêmicos de estudo
bíblico em muitos países, dos quais o Brasil não é exceção.
É verdade que parte
do radicalismo inicial do método foi sendo abandonado, especialmente depois da
neo-ortodoxia e da chegada da pós-modernidade. Os pressupostos que lhe deram
origem, contudo, permanecem inalterados, a não ser nas versões de acadêmicos
evangélicos, onde é desfigurado pelos que desejam adotar o método sem a
ideologia por detrás dele.
Em muitas
instituições de ensino teológico, ele é utilizado como o método de
interpretação bíblica por excelência. Recomendam-se comentários e obras
exegéticas que dele se utilizam, enquanto que outras obras que não se valem do
mesmo são consideradas como retrógradas, pietistas, biblicistas ou fundamentalistas.
Com a publicação em português de obras liberais e neo-ortodoxas vetustas,
parece que o método ganhou fôlego para uma sobrevida no Brasil.[2]
O presente artigo
visa a mostrar que o método histórico-crítico, como ferramenta de interpretação
bíblica, enfrenta uma crise hoje, e que se faz necessário que os pastores e os
professores de seminários e de instituições teológicas adotem outro método que
seja compatível com o objeto de seus estudos, as Escrituras Sagradas, e que
desta forma sejam produzidos resultados úteis para a Igreja cristã.
1. O SURGIMENTO DO MÉTODO
HISTÓRICO-CRÍTICO
Iniciemos com uma
descrição do método e de seu surgimento. Em diversos aspectos, como qualquer
método de interpretação, ele faz uso de alguns princípios e regras que são
derivados do bom senso, da razão e da lógica, e que não são propriedade de
nenhuma hermenêutica em particular. Contudo, o que ele tem de distintivo é seu
débito para com as ideais do humanismo da Renascença, do deísmo inglês, do
ceticismo francês e do iluminismo alemão no campo da teologia. Da Renascença, o
método histórico-crítico absorveu a ênfase no humano em detrimento do divino.
Do ceticismo francês, a dúvida como pressuposto dogmático e metodológico. E do
Iluminismo, a razão em detrimento da revelação.
A Reforma Protestante
havia amadurecido aquilo que posteriormente foi chamado de método
gramático-histórico. Esse método partia de convicções de caráter religioso na
análise bíblica. Seus princípios podem ser percebidos desde o início da
história da interpretação da Bíblia. A Escola de Antioquia da Síria, alguns
Pais Latinos e alguns estudiosos medievais podem ser considerados como
precursores do método gramático-histórico.[3] Ele
leva em consideração o caráter divino e humano das Escrituras, sua inspiração e
infalibilidade, a historicidade dos relatos bíblicos e a intencionalidade dos
textos em comunicar sentido de maneira proposicional. É importante notar aqui
que o método gramático-histórico deu atenção ao caráter histórico das
Escrituras. Entendeu perfeitamente o seu condicionamento histórico, linguístico,
cultural e temporal e as examinou como tal. Contudo, fez tudo isto a partir do
pressuposto fundamental da sua inspiração e infalibilidade, o que impediu que
os exegetas reformados elucidassem os textos admitindo erros, falhas,
imprecisões, inverdades, mentiras piedosas, mitos e pseudonímia nas páginas
sagradas.
A Renascença, que
havia antecedido a Reforma, direcionou a academia para as realidades terrenas,
diminuindo a influência do referencial a Deus no ensino, na pesquisa e na
reflexão. O apreço pela literatura clássica e pelas línguas originais,
especialmente na Itália, que buscava recuperar as obras dos pensadores gregos,
trouxe uma maior consciência da dimensão e condicionamento histórico dos
escritos antigos, entre eles os sagrados. A ênfase à autonomia humana trouxe o
desejo do livre pensar, sem as peias de influências externas, especialmente da
Igreja e da tradição. Esse espírito preparou o terreno, dentro das
universidades e seminários de toda a Europa, para o surgimento de um método de
interpretação da Bíblia que considerasse primariamente as implicações do
contexto histórico e do próprio conceito de história e realidade dos antigos
escritores sagrados, relegando a um papel secundário o seu caráter divino.[4]
À medida que o
liberalismo teológico ocupou as cátedras, o compromisso do método
gramático-histórico para com a inspiração das Escrituras foi sendo abandonado
paulatinamente nos meios acadêmicos de estudos bíblicos. Esse movimento, também
chamado de “alta crítica”, passou a dominar as perspectivas dos exegetas
quanto ao Antigo e Novo Testamento.[5] Surgiu
o método histórico-crítico, saudado por muitos como o resultado do progresso e
do avanço das novas luzes que agora brilhavam sobre a humanidade.
Filho de sua época, o
método histórico-crítico nasceu debaixo da poderosa influência do racionalismo
na filosofia e do deísmo na teologia. O impacto do racionalismo na academia é
bem retratado por Ricardo Gouvêa:
A razão deveria julgar o que é aceitável, ou não, que se creia sobre
Deus, e substituindo a revelação e a tradição, tornou-se o novo árbitro da
verdade. O homem se viu capaz de entender a ordem fundamental do universo, e os
Princípios newtonianos simbolizaram essa nova era. As leis da natureza
tornaram-se inteligíveis, e o homem se viu capaz de dominar e transformar o
mundo. O ideal científico determinou que apenas os aspectos mensuráveis da vida
e do cosmos deviam ser tratados como reais. Não apenas as ciências naturais,
mas também a política, a ética, a metafísica e a teologia teriam que se
submeter à rigidez dos cânones científicos.[6]
A religião resultante
da simbiose de cristianismo e racionalismo foi o deísmo, que pode ser definido
como a crença racionalista em um Deus que criou o universo e em seguida
deixou-o funcionando sozinho, de acordo com o princípio de causa e efeito,
tornando-o um sistema blindado ao transcendente. Deste ponto de vista, não se
admitem crises. Não se pode admitir, por exemplo, que tenha havido uma Queda
histórica, conforme relatada em Gênesis. O universo hoje está no seu estado
normal, em que sempre esteve desde que surgiu. Assim, a natureza torna-se numa
fonte crucial – se não a mais confiável – para o conhecimento de Deus e para a
formulação de padrões éticos. Deístas como Matthew Tindal e outros propuseram
que a razão é o padrão para se medir tudo o que foi revelado nas Escrituras.[7]
O método
histórico-crítico floresceu inicialmente no deísmo. Obviamente, nem todos os
que, a princípio, adotaram-no, abraçavam todos os postulados do deísmo. E nem
todos os que hoje o adotam. Mas nisto eram – e são – inconsistentes, pois tais
postulados constituem o ideário pressuposicional do método, seu ponto de
partida, a visão de mundo, de Deus, da história e da revelação que orientam a
sua abordagem do texto bíblico – ainda que reiterado como um método neutro e
científico.
2. O UFANISMO INICIAL
DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO
Críticos como
Frederic Farrar estão dispostos a dizer que a Igreja só passou a enxergar a
Bíblia corretamente com o advento do método histórico-crítico, e que toda a
exegese feita antes dele foi infantil, supersticiosa, superficial, ingênua e,
portanto, equivocada.[8] O
método histórico-crítico tinha chegado para esclarecer, mediante o uso
metódico da razão, a confusão reinante entre Palavra de Deus e Escritura, para
separar a verdade do erro, a fé da superstição. A nota de triunfo que
acompanhou o seu surgimento se deveu, em primeiro lugar, à perda da consciência
de que o pecado havia afetado a capacidade de raciocínio no homem. Retornou o
ideal grego de que o homem é a medida de todas as coisas. Esquecidos dos
efeitos noutéticos da Queda, os críticos eram otimistas ao crer que o
raciocínio puro e lógico seria capaz de descobrir e aferir a verdade em todas
as áreas.
Um segundo fator que
contribuiu para esse tom ufanista foi à crença de que toda verdadeira pesquisa,
em qualquer área do conhecimento humano, pode ser feita de maneira isenta e
neutra. O cientista e o pesquisador podem neutralizar suas pré-convicções ou
pressuposições e aproximar-se vazios do objeto de estudos, abertos para formar
novas convicções a partir dos dados e das evidências achados. Até aquele
momento, afirmavam eles, a pesquisa bíblica havia sido feita a partir de
pressupostos teológicos quanto à natureza da Bíblia, de Deus, de Cristo e da
Igreja. Portanto, segundo os críticos, era um método viciado, que já sabia de
antemão os resultados a que iria chegar. Não era científico. Mas, agora, surgia
um método realmente científico, liberado do condicionamento dos pressupostos
teológicos e capaz de sondar a Bíblia de forma neutra, de examinar livremente a
sua mensagem sem a influência do dogma, da tradição e da teologia, e ainda de
separar o que é verdadeiro daquilo que é falso. Esse foi o grande atrativo do
método histórico-crítico: ele foi apresentado como realmente científico e assim
capaz de descobrir a verdade oculta por detrás de séculos de tradição e dogma e
produzir resultados confiáveis e seguros.
Os entusiastas do
método histórico-crítico declaram, ainda hoje, que se caminhou mais nestes
últimos 100 anos de “exegese científica” do que nos 1900 anteriores.
Estranhamente, contudo, os exegetas histórico-críticos não conseguem chegar a
um acordo em quase nenhum ponto relacionado com a reconstrução histórica da
formação dos livros e do cânon dentro do cânon das Escrituras – um dos motivos
pelo qual o método se encontra hoje diante do dilema já mencionado.
3. O PONTO DE PARTIDA
DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO
Há um complexo de
fatores por detrás do surgimento do método histórico-crítico. Contudo, a sua
inspiração e orientação doutrinária está suficientemente representada na
afirmação dogmática de J. Solomo Semler (1725-1791): “A raiz de todos os males
(na teologia) é usar os termos ‘Palavra de Deus’ e ‘Escritura’ como se fossem
idênticos”.[9] Essa
distinção dogmática antecede o método. Por detrás dessa declaração está a
compreensão doutrinária de que a Escritura contém erros e contradições, lado a
lado com aquelas palavras que provêm de Deus, bem como todos os pressupostos
racionalistas do Iluminismo quanto à não possibilidade do sobrenatural na
história. Partindo desses pressupostos teológicos, os críticos iluministas se
engajaram na busca da Palavra de Deus que estava dentro da Escritura, misturada
com erros e contradições. Essa busca se tornou o objetivo do método
histórico-crítico, que é fazer a separação entre estas duas coisas, através da
exegese “científica”, e descobrir o cânon normativo dentro do cânon formal.
Este último consiste na coleção dos sessenta e seis livros que compõem a
Bíblia, formalmente reconhecidos pela Igreja antiga como a Escritura da Igreja
Cristã. O cânon normativo seriam as partes destes livros que são realmente a
Palavra de Deus. É chamado de normativo porque contém aquilo que é autoritativo
para o cristão e para a Igreja, a verdadeira Palavra de Deus em meio às
palavras humanas.[10]
Semler e outros que
vieram depois dele disseram que, nesta busca, estavam se inspirando na famosa
declaração de Lutero, “was Christum treibet” (aquilo que nos impulsiona
a Cristo). De acordo com eles, essa declaração era usada por Lutero para
avaliar qualquer livro do cânon formal e para identificar o cânon normativo.[11] Vários
críticos usaram a declaração de Lutero como norma para achar o cânon dentro do
cânon (H. Strathmann).[12] Outros
elegeram a proclamação paulina-reformada da doutrina da justificação pela fé
(W. Joest e E. Käsemann)[13],
o kerygma (W. Kümmel, W. Marxsen)[14],
ou a situação do homem diante de Deus (H. Braun).[15] O
subjetivismo inerente nestes critérios fez com que os resultados fossem
completamente díspares. Até hoje não existe um cânon normativo reconhecido e
aceito pelos próprios críticos.
É interessante notar
que os críticos se consideram os verdadeiros herdeiros da Reforma Protestante
e do método de interpretação associado a ela. Gerhard Ebeling, Rudolph Bultmann
e Ernst Käsemann argumentam que o método histórico-crítico é o corolário
hermenêutico da doutrina reformada da sola fides.[16] Bultmann
entendia que a justificação é somente pela fé e não pela história.[17] Ou
seja, a fé não depende da realidade histórica dos fatos sobre os quais
aparentemente se baseia. Uma vez feita a dicotomia entre fé e história, o
crítico se sente à vontade para retalhar o cânon bíblico e desmitologizá-lo.
O problema que os
evangélicos e conservadores sempre tiveram com este método não diz respeito ao
“histórico” – pois todos concordam que a Bíblia é um livro antigo que precisa
ser interpretado à luz do seu ambiente histórico original – mas com o
“crítico”. Durante a Reforma, os aspectos históricos das Escrituras foram
conservados e enfatizados, e mesmo posteriormente, durante a chamada ortodoxia
protestante.[18] Conforme
Moisés Silva,
A “crítica bíblica” veio a significar não simplesmente
a investigação científica dos documentos bíblicos, mas um método que pressupôs,
desde o início, o direito que o crítico tem de emitir juízos sobre as
afirmações bíblicas como sendo ou não verdadeiras. Sendo assim, por exemplo,
interpretar a Bíblia historicamente significava, quase que por definição,
reconhecer que a Bíblia contém contradições; na verdade, um dos livros-textos
básicos sobre o assunto, simplesmente pressupõe que qualquer abordagem deixa de
ser histórica se não aceitar essas contradições. Em resumo, concordar que a
Bíblia não era totalmente confiável tornou-se um dos princípios operacionais do
“método histórico-crítico”.[19]
Esta desconfiança se
percebe, por exemplo, nas declarações de Ernest Käsemann, um dos críticos
recentes mais destacados. Seu desejo é “distanciar-se da superstição
incompreensível de que no cânon [bíblico] somente a fé genuína se manifesta”.
Para ele, “a Escritura, à qual as pessoas se rendem de maneira não crítica,
leva não somente à multiplicidade de confissões, mas também a uma confusão
indistinguível entre fé e superstição”.[20]
4. AS CRÍTICAS NASCIDAS DO MÉTODO
HISTÓRICO-CRÍTICO
Diversas abordagens
críticas da Bíblia se desenvolveram a partir desta visão central e dominadora
da interpretação, todas elas em busca do cânon normativo dentro do cânon
formal.
4.1 Crítica das Fontes
A crítica das
fontes dedicou-se ao estudo dos diferentes componentes do texto bíblico,
que uma vez teriam existido isoladamente e foram posteriormente agrupados num
único texto. Ela pressupõe que os textos bíblicos são compostos e que esses
componentes se originaram de períodos históricos distintos e refletem
diferentes teologias. Como na antiguidade os autores não se preocupavam com a
questão de direitos autorais, e nem em indicar a fonte de onde copiaram
material, simplesmente aglutinaram diversas fontes escritas ao seu dispor para
formar o texto completo que temos hoje no cânon formal. Assim sendo, a tarefa
da crítica das fontes é identificar esses documentos, estudar em separado a
teologia dos mesmos no contexto histórico em que foram produzidos e depois
avaliar o sentido do texto completo à luz dos resultados. Assim encontraremos a
Palavra de Deus dentro das Escrituras. O método consiste em buscar,
primeiramente, as anomalias e irregularidades textuais, como inconsistências de
assuntos, repetição de histórias, digressões e diferenças em vocabulário e
estilo. Estas coisas apontariam para diferentes fontes documentais. Em seguida,
estudam-se as anomalias quanto aos temas e procura-se identificar em que
período da história de Israel ou da Igreja cristã o texto foi produzido.
No Antigo Testamento,
a chamada crítica das fontes tem a sua origem no comentário de Gênesis (1753)
de Jean Astruc, um médico francês, onde ele defende que Moisés teria usado duas
fontes diferentes para escrever Gênesis, uma que se refere a Deus como Elohim e
outra que se refere a Deus como Yahweh. Essa teoria foi desenvolvida por Johnn
Eichhorn em 1780, que a estendeu a todo o Pentateuco e rejeitou a autoria
mosaica. Em 1805, Wilhelm De Wette defendeu que nenhuma das partes que compõem
o Pentateuco foi escrita antes de Davi. Ele também defendeu a existência do
documento D, escrito como propaganda ideológica na época do rei Josias. Hermann
Hupfeld completou a teoria com o quarto documento, P, em 1853. Julius
Wellhausen foi quem melhor elaborou esta hipótese, que veio a ser chamada de
“hipótese documentária”.[21]
No Novo Testamento, a
crítica das fontes concentrou-se nos Evangelhos Sinóticos. Seu objetivo era
descobrir as fontes literárias usadas na composição de cada Evangelho, bem como
estabelecer a dependência literária entre eles. A teoria das duas fontes,
defendida inicialmente por C. H. Weisse (1838) e P. Wernle (1899), tornou-se
dominante.[22]
A crítica das fontes
postula que as fontes literárias passaram por um considerável processo de
edição (alteração, adição, omissão) ao serem usadas. Tais fontes representam
tradições e teologias distintas e até conflitantes.[23] Algumas
delas são oriundas de comunidades organizadas em torno das figuras cujo nome
mais tarde seria atribuído à obra em seu estado final, como a comunidade
“mateana”, a “marcana”, a “lucana” e a “joanina”. Ao final, a autoridade das
Escrituras é enfraquecida, pois a autoria profética e apostólica, que envolve
testemunho ocular ou fontes de primeira mão, quando não negada, é cada vez mais
distanciada do cânon formal. Estas teorias documentárias continuam hipotéticas
e as fontes alegadas permanecem como motivo de debate e sem reconhecimento
pelos críticos. Apesar disto, estas teorias continuam a ser ensinadas em
instituições teológicas como se fossem reconhecidas por todos. A erudição
conservadora, entretanto, não tem deixado de apontar os erros metodológicos e
as fraquezas inerentes de algumas dessas abordagens.[24]
4.2 Crítica da Forma
Esta metodologia tem
o mesmo alvo da anterior, que é separar o cerne da casca, alvo muito bem
expresso por Bultmann em seu programa de desmitologização do Novo Testamento.
Podemos dizer que a crítica da forma, no Novo Testamento, tem seu ponto de
partida no desejo de descobrir a Palavra de Deus dentro das Escrituras usando o
critério da antiguidade das formas, como declarou Werner Kümmel, considerado um
crítico moderado:
Quanto mais um texto aponta para a
revelação histórica de Cristo e quanto mais ele foi alterado por pensamentos
exteriores ao cristianismo ou através do cristianismo posterior, mais
seguramente ele pode ser considerado como parte do cânon normativo.[25]
O objetivo da crítica
da forma é descobrir as formas originais dos textos bíblicos, ainda em sua fase
oral de transmissão, antes de serem submetidos à escrita, como aparecem no
cânon formal. É ainda identificar as alterações feitas, nesta fase, pelas
comunidades que receberam essas tradições, e que posteriormente os editaram e
publicaram. Conforme o critério de Kümmel, esses textos, por serem, em sua forma
final, produtos da Gemeindetheologie (teologia da comunidade), são
secundários e não fazem parte do cânon normativo.
Um exemplo clássico
do uso da crítica da forma é a obra de Rudolph Bultmann, A História da
Tradição Sinótica de 1958, em que ele utiliza o método para identificar
material autêntico no evangelho de Marcos.[26] Seu
alvo é identificar as diversas formas ou gêneros presentes em Marcos e explicar
como foram produzidos e agrupados, formando uma obra única. Bultmann está
convencido de que as formas de Marcos são produto da teologia da Igreja cristã
primitiva (Gemeindetheologie) em seu esforço de evangelizar, defender-se
e catequizar. Bultmann divide seu livro em duas partes. Na primeira, ele
analisa o que chama de “tradição dos ensinos de Jesus”. Esta tradição é
classificada em diversas formas. Os paradigmas são histórias e ditos de
Jesus criados pela Igreja Primitiva após a Páscoa e retrojetados no Jesus
histórico, dos quais somente 40 são realmente ditos que remontam de uma forma
ou de outra ao Jesus histórico.
Por sua vez, os diálogos
polêmicos e discussões apologéticas são um material ocasionado pelas
“curas” de Jesus, a conduta de seus discípulos, as suas instruções aos
discípulos e questionamentos feitos pelos discípulos e opositores de Jesus. São
situações históricas ou biográficas imaginárias, que serviam para dar
uma expressão vívida a alguma idéia num evento concreto. A chamada dos
primeiros discípulos, por exemplo, não é um fato histórico, mas a idealização
feita pela igreja de uma situação ideal. Os ditos dominicais são ditos
atribuídos a Jesus pela comunidade marcana. Os ditos de sabedoria pretendem
apresentar Jesus como “mestre de sabedoria” à semelhança dos escribas de
Israel. Os ditos proféticos ou apocalípticos atribuídos a Jesus são, na
verdade, profecias da comunidade, oráculos proferido pelos profetas
(porta-vozes do Senhor exaltado), que por sua vez foram atribuídos ao Jesus
terreno. Os ditos legais e as regras para a Igreja foram criados
independentemente pela Igreja Primitiva, e posteriormente atribuídos a Jesus,
para lhes dar autoridade. Os ditos “Eu Sou” foram criados pela comunidade a
partir de material judaico sobre sabedoria, para apresentar Jesus como
autoridade máxima. Já as similitudes ou parábolas que aparecem no evangelho de
Marcos foram criadas pela comunidade marcana, que se inspirou na literatura
judaica e no folclore persa.
O mesmo tratamento é
dado por Bultmann ao que ele chama de “tradição do material narrativo”. As histórias
miraculosas foram criadas como prova da messianidade de Jesus e incluem
exorcismos, curas milagrosas e milagres na natureza. Em alguns poucos casos,
estas estórias foram criadas seguindo o padrão do Velho Testamento
(especialmente os milagres de Elias, cf. a ressurreição da filha de Jairo).
Essas histórias foram elaboradas após a “ressurreição” de Jesus e atribuídas ao
Jesus histórico. Os eventos históricos e lendas são eventos imaginados
pela Igreja, contendo elementos miraculosos, e tinham como alvo a edificação
dos fiéis. Esse material foi influenciado pelo Velho Testamento e formatado
segundo o seu padrão.
A comunidade
simplesmente uniu de forma superficial todo este material que havia preservado
e elaborado. Ela não dispunha de nenhum material cronológico completo
(contendo os eventos do Jesus histórico por ordem). A seleção do material foi
determinada, não por qualquer propósito teológico que tivesse, mas simplesmente
pela disponibilidade do material que lhe foi dado. Portanto, não podemos
encontrar em “Marcos” uma cronologia dos eventos históricos e geográficos, e
nem mesmo descobrir suas perspectivas (ou intenções) teológicas, pois este
evangelho foi escrito da perspectiva da fé na ressurreição, de que Jesus é o
Messias. Assim, a busca do cânon normativo dentro do cânon formal está
prejudicada pela impossibilidade metodológica e histórica de recuperar com
certeza aquelas tradições que teriam origem no Jesus histórico.
4.3 Crítica da
Redação
A crítica da redação
nasceu na esteira da crítica das fontes e da crítica da forma. Enquanto a
crítica das fontes se preocupou em identificar e reconstruir as fontes
literárias (documentos) que foram usadas originalmente para a composição do
texto bíblico, e a crítica da forma com o processo de transmissão oral pelo
qual estes documentos e a tradição oral passaram, a crítica da redação
preocupa-se com os redatores, aqueles que se utilizaram destas fontes orais ou
escritas e lhes deram a forma final.
O critério usado por
essa ferramenta crítica para separar a verdade do erro no cânon formal é
descobrir os materiais originais, para, em seguida, expurgá-los das alterações
feitas pelos redatores, quando editaram os textos sagrados na forma em que se
encontram no cânon formal. De acordo com as críticas das fontes e da forma, boa
parte dos livros que compõem o Velho e o Novo Testamentos são, em sua forma
final, o resultado de um processo de coleção, edição e harmonização de tradições
antigas, de fontes anteriores que refletiam a teologia das comunidades através
de editores e escribas.[27] O
redator não foi um mero transmissor; ele foi um autor com seus próprios pontos
de vista e situação social e religiosa; ele amoldou o seu material de acordo
com esses fatores. A tarefa da crítica da redação passou a ser descobrir a
“teologia” desses redatores e os princípios teológicos que controlaram a sua
redação das fontes e das tradições, alcançando a forma final que hoje temos.
Foi Gerhard von Rad,
no seu comentário de Gênesis, quem defendeu de forma mais influente a abordagem
do Velho Testamento do ponto de vista da teologia dos redatores que o formaram.[28] Nesta
obra, von Rad procura sempre ir além da mera reconstrução dos estágios iniciais
no processo de formação dos textos bíblicos, e escutar o redator, perguntando
de que maneira ele intentou que lêssemos o texto final, e o que estava tentando
nos dizer.[29] Outros,
como Martin Noth, escreveram sobre a teologia do “Deuteronomista”, o suposto redator
da obra Josué–2 Reis.[30] Pesquisou-se
também a “teologia do Cronista”, o redator de 1-2 Crônicas, bem como dos que
editaram os livros proféticos. No Novo Testamento a crítica da redação
floresceu grandemente, como veremos mais adiante.
Vários críticos se
dedicaram à descoberta da teologia dos redatores dos Evangelhos, para assim,
quem sabe, chegar ao cânon normativo, limpando o material autêntico que eles
haviam recebido dos acréscimos teológicos que acabaram por impingir ao texto
final. W. Marxsen, em seu livro Mark, the Evangelist, propôs a tese de
que a “Galiléia” no Evangelho de Marcos tem um sentido maior do que
simplesmente local e geográfico. “Galiléia” teria uma função teológica,
especialmente em relação ao retorno do Senhor ressurreto. Assim como o deserto
é a localidade (teológica) onde João Batista exerce seu ministério, assim a
Galiléia, nesse evangelho, é a localidade (teológica) onde Jesus exerce suas
atividades e para onde haverá de retornar (parousia). Desta forma,
Marcos teria alterado as tradições que havia recebido. Marxsen conclui que
Marcos escreveu esse evangelho com o objetivo de convocar os cristãos a irem à
Galiléia esperar o retorno de Jesus como o Filho do homem.[31]
W. Wrede também tinha
sua hipótese quanto à teologia de Marcos, que ele chamou de “o segredo
messiânico” em sua obra Das Messiasgeheimnis in den Evangelien.[32] A
teoria de Wrede foi de que a estrutura do Evangelho de Marcos foi
invenção do seu autor, com o objetivo de promover o que Wrede chamou de
“segredo messiânico”. Segundo Wrede, o Jesus histórico só revelou que era o
Messias após a ressurreição – o que significa que a confissão de Pedro (“Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo”) não foi histórica, mas criada pelo autor e
colocada na boca de Pedro. Para Wrede, o autor do Evangelho de Marcos editou e
organizou o seu material de acordo com o seu propósito de combater a idéia de
que a “messianidade” de Jesus só foi descoberta após a ressurreição; o autor de
Marcos tem como propósito declarar que Jesus é o Messias, e explicar porque
isto não foi descoberto antes (da sua morte). Sua explicação é que o próprio Jesus,
antes da ressurreição, havia feito menções sobre o assunto (que não haviam sido
entendidas pelos discípulos), mas havia pedido segredo aos discípulos. O
material que ele utilizou eram fontes contendo material sobre Jesus que estavam
circulando de forma independente. O autor do Evangelho teria criado estas passagens
com o objetivo de dar sustentação à fé da Igreja Primitiva.
A tese de Wrede foi
fortemente criticada por vários eruditos. Apesar disto, a sua influência sobre
os primeiros críticos da forma foi muito grande, provocando suspeita sobre a
estrutura do evangelho e desconfiança quanto à historicidade das narrativas que
dão o contexto de ditos de Jesus.
Fica evidente, nos
dois exemplos dados acima, a disparidade das conclusões dos críticos da
redação quanto a um mesmo livro da Bíblia. A busca do cânon normativo dentro do
cânon formal, mediante o expurgo daquilo que foi imposto pelo redator, estava
fadada ao fracasso, pelo caráter eminentemente subjetivo dos critérios
utilizados. A vontade do redator se impôs ao texto de tal forma que hoje não é
mais possível separar as duas coisas, a não ser que se inicie a busca com os
resultados já determinados de antemão.
5. AS CAUSAS DO
DILEMA DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO
Diversos estudiosos
apontaram, em sua própria época, as deficiências inerentes a esse método. Na
Alemanha, os chamados biblistas e fundamentalistas surgiram ao mesmo tempo em
que os críticos, e se opuseram a eles em muitos aspectos, oferecendo um
trabalho consistente de análise histórica da Bíblia.
Mais recentemente,
podemos mencionar as obras de Eta Linneman, Gerhard Maier e Peter Stuhlmacher.
Eta Linneman foi discípula de Bultmann, Gogarten, Ebeling e Fuchs. Tornou-se
professora de teologia e educação religiosa na Alemanha, quando publicou
diversas obras críticas, especialmente sobre os evangelhos, nas quais usou a
crítica da forma como metodologia de análise.[33] Após
a sua conversão a Jesus Cristo, publicou várias obras em que combateu o método
histórico-crítico.[34] Linneman
relata como foi levada, durante seu tempo como estudante e posteriormente como
professora de teologia, a acreditar que o método histórico-crítico era
realmente “científico”. Seu livro Historical Criticism of the Bible é
uma exposição crítica dos pressupostos religiosos e humanistas por detrás do
método e da dinâmica pela qual ele se instalou e se manteve na academia bíblica
da Alemanha por vários séculos, até hoje. Seu ponto central é que o método, na
verdade, é uma ideologia e que não deveria ter lugar algum entre os hermeneutas
cristãos.
Gehrard Maier, atualmente
bispo da Igreja Evangélica de Württemberg, na Alemanha, é ainda reitor de uma
faculdade teológica em Tübingen, onde também foi educado e formou-se em
teologia. Maier ganhou proeminência nos círculos acadêmicos de estudos bíblicos
ao escrever uma obra ousada na qual declarava que o método histórico-crítico
havia chegado ao fim.[35] O
livro de Maier provocou uma onda de debates na Alemanha e no exterior.[36]
O argumento central dele é que o método crítico não se ajusta ao objeto de
análise, que é a Bíblia, pois utiliza pressupostos contrários à mesma. Outros
estudiosos alemães se juntaram a Maier nesse ponto.[37]
A grande contribuição
de Maier foi demonstrar na prática o fracasso do método histórico-crítico em
produzir resultados objetivos e reconhecidos. Maier analisou as contribuições
de críticos de destaque publicadas no livro editado por Käsemann, Das Neue
Testament als Kanon, em 1970.[38] A
obra oferece uma excelente oportunidade para se apontar o procedimento e os
resultados do método, pois traz artigos de quinze autores protestantes críticos
e de dois críticos católicos.[39] Maier
analisa os principais artigos e conclui, com claras evidências, que os críticos
não mais concebem o Novo Testamento como uma unidade, que para eles o cânon
formal não pode ser identificado com a Palavra de Deus, que após 200 anos de
pesquisa não conseguiram identificar o que seria a Palavra de Deus dentro deste
cânon, que a determinação da palavra divina dentro do cânon é controlada por um
subjetivismo inerente e que para escapar deste subjetivismo os críticos apelam
para diferentes tábuas de salvação, como a experiência espiritual das
comunidades ou o ensino oficial da Igreja Católica (no caso de católicos como
Hans Küng). Maier denuncia-os por obscurecerem o sentido das Escrituras, contrariamente
à doutrina reformada da sua perspicuidade e suficiência.
Peter Stuhlmacher,
sucessor de Ernest Käsemann em Tübingen, reputado como um dos grandes
hermeneutas da atualidade, também escreveu expressando fortes restrições ao
método histórico-crítico, muito embora tenha uma posição menos desfavorável do
que Maier. Na sua obra Historical Criticism and Theological Interpretation
of Scripture ele defende uma “hermenêutica de aceitação”, que embora tenha
uma abordagem positiva das ferramentas críticas, contudo envolve abertura para
a transcendência e para ação de Deus na história. Apesar de afirmar a
necessidade do método histórico-crítico para a teologia, ele questiona, como
Maier, sua adequação para tratar do objeto de estudo, que é a Bíblia, pois o
método deixou de considerar a ação de Deus na história bem como a tradição da
Igreja. John Piper, conhecido pastor batista reformado dos Estados Unidos, e um
estudioso capaz, defende as idéias de Stuhlmacher.[40]
Outro ataque ao
método histórico-crítico tem sido desfechado do ponto de vista da crítica
canônica, especialmente por Brevard Childs, que enfatiza o cânon como locus
primário da interpretação bíblica e que denuncia o método crítico por ignorar o
cânon e fragmentá-lo.[41] O
ponto central da abordagem canônica de Childs é que o contexto de toda
Escritura é o cânon, e a forma canônica dela é a chave tanto para o seu
significado, quanto para a sua autoridade. Portanto, o propósito do exegeta não
é tanto descobrir a pré-história do texto bíblico (como afirmava a crítica das
fontes, da forma, da redação, etc.), mas sim como a Escritura ou um livro
individual em sua forma final funcionava para a comunidade. Só desta forma é
que podemos fazer teologia bíblica e “atualizar” a Escritura para a Igreja de
hoje. Isto não quer dizer que Childs rejeita totalmente as ferramentas
histórico-críticas do liberalismo; contudo, ele lembra que elas não produzirão
o resultado desejado.
No geral, as
hermenêuticas pós-modernas representaram mais um ataque ao método
histórico-crítico, especialmente contra a suposta neutralidade e objetividade
do mesmo.[42] Contudo,
o que vemos aqui é um outro movimento, tão pernicioso para a fé quanto o
anterior, desbancando o seu antecessor sem, contudo, estabelecer em seu lugar
um método de leitura da Bíblia que faça plena justiça às Escrituras. Na
verdade, essas hermenêuticas pós-modernas, com o seu desprezo dos ramos
meramente históricos da teologia, colocaram um freio no domínio do método
histórico-crítico sobre os estudos bíblicos.[43] Contudo,
não se livraram completamente de seus pressupostos, como pode ser visto na
híbrida teologia da libertação. De maneira geral, podemos apresentar as
seguintes razões para o dilema que hoje vive o método histórico-crítico, como
uma ferramenta inadequada de interpretação bíblica. Pelas mesmas razões,
deveria ser substituído por um método adequado às Escrituras.[44]
a. O método
histórico-crítico assumiu desde o início pressupostos dogmáticos que refletem
rejeição da autoridade e infalibilidade das Escrituras.
O grande atrativo do
método histórico-crítico é o fato de ser “científico”. Com isto, os seus
adeptos dão a ideia de que se trata de uma exegese neutra e científica e,
portanto, capaz de conseguir resultados confiáveis. Nada está mais longe da
verdade, entretanto. O método histórico-crítico não é neutro – ao contrário, é
bastante tendencioso.
O método tomou como
orientação programática a declaração de Semler, conforme vimos acima, de que a
raiz de todos os males na teologia era confundir a Palavra de Deus com a
Escritura. Longe de ser uma abordagem neutra da Bíblia, o método
histórico-crítico parte da incredulidade racionalista-iluminista quanto à
realidade da encarnação, do nascimento virginal, dos milagres, da ressurreição
dos mortos e de Cristo. Portanto, a conclusão é estabelecida antes mesmo da
pesquisa: a Bíblia não é a Palavra de Deus, muito embora a contenha.
Além disto, pode um
método exegético realmente fazer a distinção entre o que é Palavra de Deus e o
que é palavra humana? Não se trata aqui de uma distinção de ordem teológica? O
que levaria um crítico a concluir exegeticamente que um texto faz parte do
cânon normativo e que outro não faz parte? Na verdade, trata-se de uma
especulação de caráter altamente filosófico e ideológico. Nada há de neutro.
Aqui entram os pressupostos teológicos do crítico. E não somente aqui, mas ao
longo de seu trabalho, em todas as decisões e conclusões a que chega.
b. O alvo do método
histórico-crítico é impossível de ser alcançado.
Conforme já vimos
acima, o objetivo dos críticos é descobrir o cânon normativo dentro do cânon
formal, a Palavra de Deus dentro das Escrituras, a verdade em meio ao erro, o
divino em meio ao humano. Essa empreitada é a conseqüência natural do dogma do
pai do método, Semler, de que a raiz de todos os males na teologia era igualar
as duas coisas, Palavra de Deus e Escritura. Contudo, em que pesem duas
centenas de anos de tentativas, seus seguidores não conseguiram separar esses
dois. Não há até hoje um cânon normativo que seja reconhecido e aceito pelos
críticos. A razão é simples. A própria Bíblia não nos fornece qualquer pista
quanto a um suposto cânon normativo dentro dela. Nesse caso, os critérios têm
que proceder de fora, sendo por esse motivo inerentemente subjetivos. Ora, os
críticos, para poder separar a Palavra de Deus daquilo que é meramente
Escritura, precisam ter de antemão uma idéia do que é Palavra de Deus, como ela
se parece, qual o seu conteúdo, forma e aspecto. E de que maneira podem chegar
a este conhecimento sem a própria Escritura? Não é de admirar que muitos deles
tenham recorrido ao misticismo ou à experiência religiosa como paradigma
daquilo que é divino, como Schleiermacher, ou ainda ao existencialismo, como
Bultmann. A pesquisa era feita a partir do que cada um considerava como Palavra
de Deus ou cânon normativo. Não é à toa que os resultados são díspares. Supondo
que um crítico se deparasse com a Palavra de Deus dentro das Escrituras – como
ele poderia reconhecê-la em bases puramente metodológicas e históricas?
c. O cânon bíblico
não pode ser dividido entre normativo e formal.
Da mesma maneira, as
tentativas histórico-críticas de estabelecer diferentes níveis dentro da
Escritura, mediante a crítica das fontes e a crítica da forma, são fadadas ao
fracasso. Se textos mais próximos de Cristo são primários e aqueles tocados
pelas comunidades são secundários – como podemos estabelecer essa diferença se
não temos a menor ideia, à parte das próprias Escrituras, daquilo que é
original e primitivo? Encontramos a frustração latente quanto a isto na
declaração do próprio Bultmann:
A investigação crítica mostra que toda a
tradição acerca de Jesus que aparece nos três evangelhos sinóticos é composta
de uma série de camadas que podem, no geral, ser claramente identificadas, apesar
de que a separação das mesmas em alguns pontos seja difícil e duvidosa... A
separação dessas camadas nos evangelhos sinóticos depende do conhecimento de
que estes evangelhos foram compostos dentro das comunidades cristãs
helenísticas, enquanto que Jesus e o grupo cristão mais antigo viveram na
Palestina e falaram aramaico. Portanto, tudo nos sinóticos que for originado,
em linguagem e conteúdo, somente do cristianismo helenista, deve ser excluído
como uma fonte do ensino de Jesus… Tudo aquilo que trair os interesses
específicos da igreja primitiva ou revelar características de desenvolvimento
posterior, deve ser considerado como secundário e rejeitado… E mesmo a
camada mais antiga é o resultado de um processo histórico complicado que não
podemos mais traçar.[45]
A verdade é que as
Escrituras como um todo se apresentam como a Palavra de Deus, chamando-nos à fé
e à obediência. Ela própria não nos dá qualquer indicação de que algumas de
suas partes são menos normativas ou inspiradas. A bem da verdade, reconhecemos
que dentro do progresso da revelação, aquilo que veio depois é mais completo do
que o que veio antes – mas isto não reflete de modo algum a questão de um cânon
normativo dentro do cânon formal.
É verdade também que
muitos cristãos e denominações praticam um cânon dentro do cânon na vida
diária, ao eleger determinadas doutrinas e práticas como aquelas mais centrais
e cruciais, pelas quais também relêem as Escrituras. Contudo, isto é feito
contrariamente ao ensino bíblico de que toda a Escritura é divinamente
inspirada, e que devemos pregar todo o conselho de Deus.
Ao se lançar nessa
tarefa de cavar nas Escrituras para descobrir o divino por debaixo dos supostos
mitos, tradições humanas e erros, o método histórico-crítico aventurou-se para
além dos seus limites próprios. Conforme disse Maier,
Mantemos
a conclusão de que o uso do método histórico-crítico dividiu a Bíblia
forçosamente em duas Bíblias, uma humana e outra divina. A despeito do esforço
honesto, como resultado da falta de uma “chave” nunca se chegou a um acordo
quanto ao que poderia ser, de maneira firme e definitiva, considerado como
parte das “verdades divinas”.[46]
d. O método
histórico-crítico, por sua própria natureza, abriu uma enorme brecha entre a
academia e a Igreja.
Essa separação é
claramente perceptível no fato de que muitos críticos que permanecem como
eclesiásticos (pastores, padres ou oficiais de igrejas protestantes) deixam de
trazer dominicalmente para os púlpitos aquilo em que acreditam durante a
semana, com algumas prováveis exceções. Gerhard Maier, comentando este ponto,
oferece as seguintes razões para essa falta de aplicação. Primeiramente, a facilidade
com que os membros das Igrejas e demais pastores que não seguem o método
histórico-crítico rechaçariam as teorias dos críticos, se eles ousassem
pregá-las do púlpito: “Na minha Bíblia é diferente”. Isto faz com que os
críticos que são eclesiásticos raramente preguem de maneira clara e conspícua
aquilo em que realmente acreditam, limitando-se a sermões e estudos gerais que
podem ser interpretados de maneira ambígua. Em segundo lugar, os críticos não
têm uma base ou plataforma comum sobre a qual lançar um novo movimento, visto
que estão profundamente divididos quanto aos resultados de suas investigações.
Pelos motivos acima,
os críticos eclesiásticos geralmente se abstêm de colocar suas idéias em
prática. O que aceitam academicamente quase nunca ganha os púlpitos onde pregam
aos domingos. Bultmann, que havia declarado abertamente numa série de palestras
acadêmicas que considerava o nascimento virginal de Jesus e a encarnação como
lendas (Marburg Lectures), costumava pregava sermões natalinos no final do ano,
e até chegou a enviar cópia de um deles para Karl Barth, em certa ocasião, com
visível satisfação![47] Pastores
que seguem o método histórico-crítico não hesitam em usar passagens da Bíblia,
como os ditos “eu sou” de Jesus, na celebração do batismo e outros eventos,
mesmo que intimamente duvidem que Jesus os tenha pronunciado.
A razão para essa
dicotomia é o fato de que o método histórico-crítico não produziu resultados
que pudessem ser pregados nas igrejas.[48] Ao
contrário, produziu dúvida e incerteza, obrigando seus adeptos a suprimi-las
das comunidades onde ganham o seu pão. Diz Maier:
Já que os representantes do método
histórico-crítico também querem ser eruditos eclesiásticos, a falta de
praticabilidade ou aplicação de suas conclusões, por si mesma, já seria uma
objeção séria ao seu método.[49]
Não os estamos
acusando de covardia, mercenarismo ou hipocrisia – mas mostrando como ficaram
reféns, na qualidade de eclesiásticos, de um método que, por sua própria
natureza, produziu resultados contrários à fé da Igreja à qual pretendem
servir.
e. A razão natural é
incapaz de reagir adequadamente à revelação divina.
É talvez aqui que
encontramos uma das razões mais profundas do dilema em que se encontra o
método histórico-crítico. Aquilo que o Iluminismo prezou acima de tudo, que foi
a confiança na razão natural para estabelecer a verdade divina, acabou lançando
o método crítico neste beco sem saída. Pois como pode um método que se utiliza
da razão crítica julgar e separar verdades divinas eternas daquelas que são
humanas e relativas? O otimismo quanto à capacidade do homem que aureolou o
surgimento do Iluminismo levou à rejeição do conceito reformado da depravação
total. Entusiasmados com as novas luzes, os estudiosos esqueceram que as trevas
nunca de fato abandonaram o entendimento humano. Esqueceram que o intelecto
humano, como o próprio homem, era moribundus (sujeito à morte) e morbidus
(doente).[50] Mesmo
os críticos mais radicais estariam dispostos a dizer que havia revelação
naquilo que era o cânon normativo dentro do cânon formal. Entretanto,
sentiram-se seguros em criticá-la e corrigi-la, em vez de se submeterem a ela.
Para que uma declaração teológica pudesse permanecer no cânon normativo, ela
teria de ser aprovada no tribunal da razão crítica.
Os conservadores
nunca entenderam que era necessário um sacrificium intellectus para
estudar a revelação de Deus. Contudo, sempre defenderam que devemos “levar
cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Co 10.5). Santificada e
purificada pela fé em Cristo, a razão pode receber e entender as coisas de Deus
(1 Co 2.14-15). Nesse sentido, os reformadores sempre insistiram na necessidade
da ação iluminadora do Espírito Santo para uma compreensão salvadora das
Escrituras.
De acordo com Maier,
A
objeção mais importante [ao método histórico-crítico] é que a crítica histórica
é uma contraparte inconclusiva e falsa de uma possível revelação divina, que
basicamente mantém a arbitrariedade humana e seus padrões em oposição às exigências
da revelação. Portanto, já que esse método não é adequado ao objeto de estudo,
e na verdade se opõe às suas tendências óbvias, devemos rejeitá-lo.[51]
6. EM BUSCA DE UM
MÉTODO ALTERNATIVO
Conforme vimos acima,
é evidente a todos que o método histórico-crítico está no fim do beco sem saída
no qual se meteu há mais de 200 anos. A causa principal não foi a incompetência
dos estudiosos e eruditos que o adotaram e o usaram na busca do cânon dentro do
cânon, mas o fato de que o método em si, por causa dos pressupostos dogmáticos
que o controlavam, era inadequado para o estudo das Escrituras, e até mesmo
contrário às suas tendências. É sabido e reconhecido, nas mais diversas áreas
do conhecimento, que a escolha de um método já determina, por antecipação, a
extensão e o tipo de resultados da pesquisa. Um método que partiu de convicções
dogmáticas críticas quanto à natureza da Bíblia só poderia produzir resultados
críticos e incerteza.
Diversas saídas têm
sido propostas para esse dilema por exegetas modernos que sentem a necessidade
de uma ferramenta que incorpore pressupostos quanto à inspiração e
infalibilidade das Escrituras. Maier propõe uma hermenêutica
bíblico-histórica.[52] Já
Stuhlmacher acredita numa hermenêutica teológica.[53] Em
linhas gerais, os evangélicos têm optado pelas alternativas que o debate entre
Maier e Stuhlmacher trouxe, e que praticamente representam as duas únicas
possíveis para aqueles que desejam manter a infalibilidade e a autoridade das
Escrituras. De um lado, com Maier, partindo da unidade e infalibilidade das
Escrituras, é necessário rejeitar completamente o uso da crítica bíblica, já
que estamos seguros de que estamos lidando com revelação infalível. Por outro,
com Stuhlmacher, podemos abandonar o ponto de partida de Maier, que Piper chama
de “fiat epistemológico”,[54] e
adotar uma postura em que nossa defesa da confiabilidade da Bíblia seja
comprovada pela demonstração crítica de sua unidade e verdade. Em outras
palavras, temos diante de nós a opção de rejeitar o método histórico-crítico in
totum, ou de aceitar uma versão domesticada do mesmo, extraindo-lhe os
dentes e as garras dos pressupostos iluministas e racionalistas. Ou seja,
trata-se de retirar o “crítico” – entendido como a arrogante pretensão de
determinar pela análise racional aquilo que é verdadeiro – e manter o histórico
– o estudo em contexto da revelação de Deus na história.
Falta pouco para que
esta última opção seja, praticamente, um apelo a um retorno ao método gramático-histórico.
Por exemplo, quando a crítica das fontes identifica as fontes usadas para a
composição de um documento canônico – digamos, as fontes escritas que o autor
ou autores de Josué–2Reis usaram (várias delas mencionadas no próprio texto da
Bíblia), sem atribuir-lhes contradições nem negar-lhes a autoria e
infalibilidade do texto final, está fazendo aquilo que o método
gramático-histórico já fazia. Quando a crítica da redação destaca a
contribuição do autor/redator de um documento canônico ao material bruto, sem
imputar-lhe manipulação, adições e alterações próprias, é de grande ajuda para
entendermos a intenção do texto – uma chave importante para a compreensão. Ou
quando a crítica da forma no Novo Testamento nos ajuda a entender o Sitz-im-Leben
de determinadas passagens, sem atribuir sua origem à fé das hipotéticas
comunidades cristãs que os preservaram e editaram, nos presta grande ajuda para
entendermos essas passagens em seus contextos originais. Mas o que é isto senão
o método gramático-histórico?
O que poderíamos
acrescentar ainda é que um método alternativo hoje, que permaneça fiel aos
princípios do consagrado método gramático-histórico e que rejeite os
pressupostos do método histórico-crítico, deve, contudo, incorporar as
perspectivas trazidas pelas novas hermenêuticas, com a sua ênfase no papel do
leitor no processo interpretativo. Mas, isto fica para outro artigo.
Em conclusão,
precisamos de um método que seja teológico. E no nosso caso essa teologia só
poderia ser a reformada. O que isto significa? Um método de interpretação
historicamente associado ao método gramático-histórico de interpretação,
adotado, usado e defendido pelos reformadores, que tenha como pressuposto a
inspiração, a veracidade das Escrituras e a unidade do cânon formal e que
procure estar sensível aos estudos modernos de ciências correlatas que podem
trazer algum auxílio à interpretação do texto bíblico.
*
O
autor é ministro presbiteriano, mestre em Novo Testamento e doutor em
Hermenêutica e Estudos Bíblicos. Atualmente é professor visitante do Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, pastor assistente da Igreja
Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, e chanceler da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
[1] Ver,
por exemplo, MAIER, Gerhard. The end of the historical-critical method. Eugene,
Oregon: Wipf & Stock, 2001. Maier defende o abandono imediato do método
crítico devido a seus pressupostos incompatíveis com as Escrituras. Na mesma linha vai LINNEMAN, Eta. Historical criticism of the Bible:
methodoly or ideology? Grand Rapids: Kregel, 1990, que denuncia o caráter eminentemente
ideológico do método supostamente científico (ver a resenha desse livro em Trinity
Journal 13/1 [1992] 95–117). Já STUHLMACHER,
Peter. Historical criticism and theological interpretation of Scripture:
toward a hermeneutics of consent. Philadelphia: Fortress, 1977, adota posição mais moderada, de
rejeitar os pressupostos do método e manter a metodologia. No Brasil, MULLER,
Ênio. O método histórico-crítico – uma avaliação, em FEE, Gordon, e STUART,
Douglas. Entendes o que lês? 4. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997,
p. 237-318, segue uma linha similar à de Stuhlmacher. Nas décadas de 70 e 80,
inúmeros artigos em revistas teológicas internacionais questionaram seriamente
os pressupostos, procedimentos e resultados do método histórico-crítico, como
por exemplo: PIPER, John. The authority and meaning of the Christian
canon: a response to Gerald Sheppard on canon criticism, JETS 19/2
(1976), p. 87-96; FERNGREN, Gary B. Internal criticism as a criterion for
authorship in the New Testament, BSac, 134/536 (1977), p. 329ss;
POYTHRESS, Vern S. Ground rules of New Testament interpretation, WTJ 41/1
(1978), p. 190ss; OSBORNE, Grant R. The evangelical and redaction criticism:
critique and methodology, JETS 22/4 (1979), p. 305-322; DYER, Charles H.
Do the Synoptics depend on each other?, BSac 138/551 (1981), p. 230ss;
PIPER, John. Historical criticism in the dock: recent developments in Germany, JETS
23/4 (1980), p. 325-33; JOHHSON, Alan F. The historical-critical method:
Egyptian gold or Pagan precipice?, JETS 26/1 (1983), p. 3-15; LONGMAN III,
Tremper. Form criticism, recent developments in genre theory, and the
Evangelical, WTJ 47/1 (1985), p. 46-67; LOGAN, Samuel T. The origins of
modern attacks on Biblical authority, WTJ 49/1 (1987), p. 119-142;
POYTHRESS, Vern S. God’s lordship in interpretation, WTJ 50/1 (1988), p.
27-64. Porém,
ver uma defesa do método histórico-crítico feita na mesma época por EDWARDS
JR., Otis C. Historical-critical method’s failure of nerve and a prescription
for a tonic: a review of some recent literature, em Anglican Theological
Review 59 (abril de 1977), p. 115-134.
[2]
Editoras
católicas como Loyola, Paulus e Paulinas têm publicado muitas obras que se
utilizam deste método. Entre os protestantes, diversas editoras têm publicado
autores antigos que se valem do método histórico-crítico: BULTMANN, Rudolph. Jesus
Cristo e mitologia. São Paulo: Editora Novo Século, 2000; CULLMAN, Oscar. Cristologia
do Novo Testamento. São Paulo: Editora Líber, 2001; BORNKAMM, Günter. Bíblia:
Novo Testamento – introdução aos seus escritos no quadro da história do
cristianismo primitivo. São Paulo: Editora Teológica, 2003; etc.
[3] Cf. LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus
intérpretes. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 129-157.
[4] Sobre
a Renascença e sua influência na academia reformada, cf. CAMPOS, Heber Carlos
de. A “filosofia educacional” de Calvino e a fundação da Academia de Genebra,
em Fides Reformata 5/1 (2000); COSTA, Hermisten Maia Pereira da. João
Calvino: o humanista subordinado ao Deus da Palavra, em Fides Reformata 4/2
(1999).
[5]
Para um
registro mais detalhado de datas, nomes e obras relacionados com o surgimento
do liberalismo teológico e da alta crítica, ver HARRIS, Laird. Inspiração e
canonicidade da Bíblia. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 19-37;
LOPES, A Bíblia e seus intérpretes, p. 129-157; MULLER, O método
histórico crítico, p. 237-318. Não devemos pensar, todavia, que a ciência
moderna, cujo surgimento se deu por volta dessa época, nasceu inimiga da fé
cristã. Cf. a interessante análise de RUSSELL, Colin A. Correntes cruzadas:
interações entre a ciência e a fé. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 15-40. Nesta
mesma linha, ver a obra de HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da
ciência moderna. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988. Para uma
perspectiva conservadora da transição do conceito de infalibilidade da Bíblia
para os pressupostos do método histórico-crítico no século 19, ver CAMERON,
Nigel. Inspiration and criticism: the
nineteenth-century crisis, em Tyndale Bulletin 35 (1984), p. 129-159.
[6] GOUVÊA,
Ricardo Quadros. A morte e a morte da modernidade: quão pós-moderno é o posmodernismo?,
em Fides Reformata 1/2 (1996), p. 60-61.
[7] TINDAL, Matthew. Christianity as old as the
creation or the Gospel a republication of the religion of nature. Kessinger Publishing,
2004; reimpressão do original de 1730. Essa obra é considerada a “Bíblia dos
deístas”.
[8] Farrar
castiga impiedosamente toda a exegese feita antes do surgimento do método
crítico, com exceção da exegese feita em Antioquia e na época da Reforma, cf.
FARRAR, Frederic. History of interpretation. New York: Dutton, 1886, p. xi, xviii, p. 8-10, 20, 22, 39, 50, 88,122,
153, 162, 165, 191, 201, 236, 267, 302; etc. Contudo, ver a resposta de Moisés Silva
a Farrar em Has the church misread the Bible? The history of interpretation in the light of current issues. Grand Rapids:
Academie Books, 1987, p. 35 em diante. Aliás, o livro foi escrito em resposta à
crítica amarga de Farrar. Outro que tem a mesma atitude de Farrar é DAVIDSON,
Samuel. Sacred hermeneutics: developed and applied. Edinburgh: T & T Clark, 1834, p. 187.
[9] SEMLER, J. S. Abhandlung von freier Untersuchung
des Canon, em Texte zur Kirchen- und Theologiegeschichte, 68 (Gütersloh,
1967), p. 52. Gerhardus Vos denunciou essa separação imposta por Semler em seu
discurso de posse como professor de Princeton em 1893, apontando-a como
responsável pelo surgimento da teologia bíblica crítica.
[10] Ver a análise crítica de Gerhard Maier sobre a origem e
desenvolvimento do método a partir das idéias de Semler em The end of the
historical-critical method, p. 26-49.
[11] Lutero fez essa declaração no prefácio de seu comentário
sobre Tiago e Judas (1522). Evidentemente, é uma declaração subjetiva, pois
toda a Escritura ensina a Cristo de diferentes formas. Nosso argumento aqui,
contudo, é que Lutero não estava usando este paradigma como um método para
estabelecer o que era Palavra de Deus dentro das Escrituras – como veio a ser
feito na exegese iluminista até hoje –, mas como um critério pessoal de sua
maior apreciação por determinados livros da Bíblia do que por outros. O
conhecido crítico católico Hans Küng atacou os críticos protestantes por
fazerem com que a frase de Lutero se tornasse, pelas mãos do método
histórico-crítico, “um princípio material de seleção” (ver o artigo de Küng na
obra editada por KÄSEMANN, E. Das Neue Testament als Kanon. Göttingen,
1970).
[12] H. Strathmann, artigo no livro editado por KÄSEMANN, Kanon.
[13] JOEST, W. Überlegungen zur Thema
Theologie und Wissenschaft, em Kerygma und Dogma, 2 (1973), p. 150-56;
KÄSEMANN, Kanon.
[14] KÜMMEL, W.G. The New Testament: the
history of the investigation of its problems. Nashville: Abingdon, 1972;
MARXSEN, W. Einleitung in das Neue Testament, 2ª ed. Gütersloh, 1964.
[15] Braun,
artigo em KÄSEMANN, Kanon, p. 228.
[16] Cf. BULTMANN, R. Jesus Christ and mythology.
New York, 1958; EBELING, G. Die Bedeutung der historisch-kritischen Methode
für die protestantische Theologie und Kirche, em Wort und Glaube.
Tübingen, 1962; KÄSEMANN, E. Vom theologischen Recht historisch-kritischen
Exegese. ZTK 64 (1967), p. 259-281.
[17] Cf. BULTMANN, Rudolph. Jesus Christ and mythology. London: SCM Press,
1958, e suas demais obras sobre a relação entre fé, história e mitologia.
[18] Aqui
poderiam ser citadas as próprias obras dos reformadores, a teologia do pacto de
Koch e a redescoberta do pensamento apocalíptico-escatológico do pietismo. Cf. MAIER, The end of the historical-critical method, p. 13.
[19] SILVA,
Moisés. Abordagens contemporâneas na interpretação bíblica, em Fides
Reformata 4/2 (1999), p. 142-143; ver também MAIER, The end of the
historical-critical method, p. 12-13.
[20] KÄSEMANN,
Kanon, p. 371, 407.
[21] Para
uma descrição detalhada da origem, pressupostos, métodos e objetivos da crítica
das fontes no Antigo Testamento, bem como para uma avaliação crítica da mesma,
ver BARTON, John. Reading the Old Testament. Philadelphia: Westminster, 1984, p. 20-29; CLEMENTS, Ronald. One
hundred years of Old Testament interpretation. Philadelphia: Westminster,
1976, p. 1-30; HABEL, Norman C. Literary criticism of the Old Testament.
Philadelphia: Fortress, 1971, p. 1-42; WHYBRAY, R. N. The making of the
Pentateuch – a methodological study. Sheffield: JSOT Supplement Series,
1987, p. 13-131; CASSUTO, U. The documentary hypothesis and the composition
of the Pentateuch. Jerusalem, 1961; e o clássico de WELLHAUSEN, Julius. Prolegomena
to the history of ancient Israel. Cleveland: World, 1961 (original 1957),
onde defende a hipótese documentária.
[22] Para
um estudo da crítica das fontes no Novo Testamento, ver BRODIE, Thomas L. The
quest for the origin of John’s Gospel: a source-oriented approach. New York: Oxford University Press, 1995; DUPONT, J. The sources of
Acts. London, 1964; KLOPPENBURG, J. On the formation of Q. Philadelphia:
Fortress, 1987; NEIRYNCK, F. The minor agreements of Matthew and Luke
against Mark, BETL 37. Leuven: Leuven University Press, 1974;
ZIMMERMANN, Heinrich. Los métodos histórico-críticos en el Nuevo Testamento.
Madrid:
Editorial Católica, 1969; WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento:
manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus,
1998; STEIN, Robert H. Studying the synoptic gospels: origin and
interpretation. Grand Rapids: Baker, 1987; EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo
Testamento: introdução aos métodos lingüísticos e histórico-críticos. São
Paulo: Editora Loyola, 1994.
[23] Uma
das obras mais populares em defesa do método histórico-crítico é a de KÜMMEL,
Werner G. The New Testament: the history of the investigation of its
problems. Nashville: Abingdon, 1972. Ele defende abertamente que uma abordagem
do Novo Testamento, para ser histórico-crítica, tem que admitir a presença de
contradições no texto bíblico (p. 29-31).
[24] Ver
algumas dessas críticas em BLACK, David Alan & BECK, David. Rethinking the synoptic problem. Grand Rapids: Baker, 2001; CHILDS, Brevard S. The New Testament as
a canon: an introduction. Philadelphia: Fortress, 1984; GUTHRIE, Donald. New
Testament introduction. Downers Grove, IL: IVP, 1990; LINNEMAN, Eta. Is
there a synoptic problem? Grand Rapids: Baker, 1992; Biblical criticism
on trial. Kregel Publications, 2001; MÜLLER, O método histórico-crítico –
uma avaliação, p. 237-318; BRUGGEN, Jakob Van. Para ler a Bíblia. São
Paulo: Cultura Cristã, 1998.
[25] Ver
artigo de W. Kümmel no livro editado por KÄSEMANN, Kanon, p. 94.
[26] BULTMANN, Rudolph. The history of the Synoptic tradition. New York: Harper
& Row, 1963 (original 1958).
[27] BARTON, John. Reading the Old Testament: method in Biblical
study. Philadelphia:
Westminster Press, 1984, p. 45-47.
[28] VON RAD, Gerhard. Das erste Buch Mose, Genesis. Göttingen, 1956;
trad. inglês, Gênesis. London, 1961; rev. 1963.
[31] VORSTER, The Synoptic gospels, p. 126-127. Cf.
MARXSEN, Willi. Mark, the evangelist: studies in the redaction history
of the gospel. Abingdon Press, 1979. Marxsen é um estudioso alemão liberal que
não crê na ressurreição literal de Cristo e até escreveu várias obras
contestando-a. Cf., por exemplo, The resurrection of
Jesus of Nazareth. Philadelphia: Fortress, 1970; Jesus and Easter:
did God raise the historical Jesus from the dead? Abingdon Press, 1990.
[33] LINNEMAN, Eta. Gleichnisse Jesu. Einführung und Auslegung. Göttingen 1961, em
que propõe uma releitura das parábolas de Jesus.
[34] LINNEMAN, Historical criticism of the Bible;
Is there a synoptical problem? Biblical criticism on trial.
[35] Cf.
nota 1.
[36] Na
Alemanha, o debate centralizou-se em Peter Stuhlmacher, professor da
Universidade de Tübingen, que mesmo concordando com Maier em muitos pontos,
discordou dele em outros, no livro Schriftauslegung auf dem Wege zur
biblischen Theologie (Göttingen, 1975), posteriormente traduzido como Historical
criticism and theological interpretation of Scripture: toward a
hermeneutics of consent. Helgo Lindner também participou da controvérsia com um
artigo, Widerspruch oder Vermittlung? Zum Gespräch mit G. Maier und P. Stuhlmacher über eine biblische
Hermeneutik, em Theol. Belt. 7 (1976), p. 185-197. Nos Estados Unidos, o conservador John
Piper aplaudiu a obra de Maier na medida em que ela contestava o método
histórico-crítico, mas criticou-a quanto à alternativa proposta e outros pontos
relacionados com a validação do cânon, cf. PIPER, John. A reply to Gerhard
Maier – a review article, em JETS 22/1 (1979), p. 30-85.
[37] Martin
Hengel num artigo em ZNW 63 (1972); ver ainda HAHN, F. Die
neutestamentliche Wissenschaft, em Wissenschaftliche Theologie im Uberblick,
editado por LOHFF, W. e HAHN, F. Göttingen: Vandenhoeck & Rupreeht, 1974,
p. 28-38. Ainda poderiam ser citadas muitas outras obras em alemão, como o
livro de BERGMANN, Gerhard. Alarm um die Bibel (1974). Um autor inglês
que segue a linha de Maier é WINK, W. The Bible in human transformation.
Philadelphia: Fortress, 1973.
[38] Ver essa análise em MAIER, The end of the
historical-critical method, p. 26-49.
[39] Entre eles temos E. Käsemann, W. Kümmel, W.
Marxsen, H. Braun, H. Diem, G. Ebeling e o católico Hans Küng. Para uma descrição do
uso do método histórico-crítico por estudiosos católicos, bem como as
conseqüências semelhates às enfrentadas pelos protestantes, ver KOURIE, Célia. The historical critical method in Roman Catholic biblical scholarship,
em Theologia Evangelica 18/3 (1985), p. 42-49; VOGELS, Walter. Biblical
exegesis and the homily: two decades in retrospect and prospect, em Science
et Sprit 34 (1982), p. 289-314. Ver ainda a crítica feita a Hans Küng por um estudioso católico,
por usar o método histórico-crítico, DULLES, Avery R. Ecumenism and theological
method, em Journal of Ecumenical StudiesI 17 (1980), p. 40-48.
[40] Cf. PIPER, John. Historical criticism in the dock: recent developments
in Germany, em JETS 23/4 (1980), p. 325-333. Ver ainda BAKER,
David W. The Old Testament and criticism, em Journal of Theology for
Southern Africa 48 (1984), p. 13-20, que defende um uso moderado do método
histórico-crítico nas linhas defendidas por Stuhlmacher.
[41] Cf. CHILDS, Brevard S. Biblical theology in
crisis. Philadelphia: Westminster, 1970; Introduction to the Old
Testament as Scripture. Philadelphia : Fortress, 1979); Biblical theology
of the Old and New Testaments: theological reflection on the Christian Bible.
Minneapolis:
Fortress, 1993. Além desses livros, Childs escreveu numerosos artigos em que
critica o método histórico-crítico.
[42] Ver,
por exemplo, CROATTO, Severino. Hermenêutica e lingüística: a hermenêutica
bíblica à luz da semiótica e frente aos métodos histórico-críticos, em Estudos
Teológicos 24/3 (1984), p. 214-224. Ele argumenta que embora o método
histórico-crítico tenha feito consideráveis avanços, contudo é limitado porque
não passa pela semiótica, que veria o texto como uma estrutura lingüística
produtora de sentido.
[43] MAIER, The end of the historical-critical
method, p. 12. Ver a minha análise em A Bíblia e seus intérpretes, p.
205-239.
[44] Muitas
outras objeções têm sido levantadas, como, por exemplo, ceticismo histórico,
anti-sobrenaturalismo, separação de história e teologia, a não possibilidade
de se conhecer a revelação divina e a negação da unidade da Escritura. Cf. JOHNSON, Alan F. The historical-critical method: Egyptian gold or
Pagan precipice? - em JETS 26/1 (March 1983), p. 3-15.
[46] MAIER, The end of the historical-critical
method, p. 18.
[47] Ibid.,
p. 21-22.
[48] Ver o
artigo de LATEGAN, B.C., onde explora a insatisfação generalizada das igrejas
do Terceiro Mundo com os resultados do método histórico-crítico (Die waarde
van Bybelkunde vir die gewone Bybelleser, em Scriptura 13 [1984], p.
1-7).
[49] MAIER, The end of the historical-critical
method, p. 22.
[50] Ibid.,
p. 23.
[52] Cf.
sua obra inicial, The end of the historical-critical method, e, mais
recentemente, Biblical hermeneutics. Wheaton: Crossway Books, 1994.
[53] STUHLMACHER,
Historical criticism. A diferença entre as propostas de Maier e de
Stuhlmacher é que Maier acha que a Bíblia deve ficar acima da teologia, senão
esta também acaba se tornando um pressuposto dominador do método. Contudo, na
prática esta distinção é anulada, pois toda leitura da Bíblia acaba em
teologia.
[54] JETS
23/4 (1980), p. 334
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